segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O último Curso de Extensão em Direito Eleitoral no TRE-MT (setembro e outubro de 2.011)

REFLEXÕES PARA DESCERRAR A LEI DA FICHA LIMPA

          Durante os períodos matutino e vespertino dos últimos dias 29 e 30 e manhã do seguinte 1º a Escola Judiciária Eleitoral (EJE) do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso realizou no auditório da Casa da Democracia uma multiplicação de atualizações eleitorais, cujas informações foram projetadas em nível de excelência pelo Promotor de Justiça e doutrinador Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, palestras programadas inicialmente para serem proferidas apenas a Magistrados e Promotores atuantes na seara eleitoral e a respectivos servidores dos cartórios eleitorais do interior e do próprio tribunal na capital. Como dito, inicialmente apenas para esses profissionais. Em ato contínuo, a corte especializada reconheceu a fundamentabilidade também da advocacia no processo eleitoral e destinou seletas vagas à OAB (MT), que por sua diretoria, dedicou exclusividade aos advogados integrantes de sua comissão de direito eleitoral e esta por seu presidente, permitiu participação de colegas outros, mesmo que não fossem membros da temática. Este cordial convite merece ser registrado porquanto ser reflexo do valioso relacionamento institucional entre o TRE e a Seccional Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil, inclusive em tempos de a mídia estar transparecendo escândalos de corrupção supostamente ocorridos nas diversas instituições judiciárias brasileiras, como recente matéria de capa da revista Veja desta semana. Frisa-se por precaução a raciocínios maliciosos, que a OAB atua, por força de lei ordinária federal (seu estatuto) e até por legitimidade ativa inserta na poderosa Constituição Federal, como ‘custos legis’ da sociedade para colaborar no zelo à rés pública e não queda-se inerte a crimes ou a ilícitos não penais, nos limites do que a compete.
          O espirituoso palestrante ministrou um conjunto de módulos teóricos por ampla técnica jurídica, não se limitando ao saber específico das matérias, se utilizando de exemplar carisma em sua persuasão, o que afasta a ideia de que para ser dominador de alguma ciência tem de ser cético e ás vezes antipático e, inimaginável e incrivelmente, incentivando os participantes a exercerem uma forma de religião ao cristianismo, lembrando arrojadamente à plateia que há um ser superior sobre os Juízes de Direito, os Promotores de Justiça e os Advogados. Inclusive, houve clima organizacional do evento que propiciou aos mais sensatos a interação entre esses colegas de trabalho, como entre mim e uma promotora e um magistrado, que na maioria das convivências laborativas há recusa por parte destes concursados públicos em se relacionarem com os heróicos advogados, como se fosse um preconceito, deturpação ideológica esta comumente vivenciada nos fóruns.
          O pontual orador iniciou sua exposição com efeito: “para refazerem a virgindade da política brasileira os legisladores nacionais estupraram a Constituição Federal!”. Para justificar sua assertiva como de fato e de direito, ele sustentou sua tese como sendo a polemizada Lei da Ficha Limpa (LCF Nº 135/2010), que trouxe alterações à Lei de Inelegibilidades (LCF Nº 64/1990), um claro resquício da Ditadura Militar, como por exemplo a Lei Complementar Federal Nº 05 de 29/04/1970, como Presidente da República o general Emílio Garrastazu Médici, eleito pela Junta Militar. Atualmente, considera-se causa de inelegibilidade a condenação por órgão colegiado, não tendo o legislador inserido se este seria a partir da instância revisora e acaso assim desejasse, penso que muito provavelmente o teria feito. Por este arrazoado, um julgamento do Tribunal do Júri, este que é legitimamente órgão colegiado de primeiro grau e é formado por populares – leigos e comuns que não possuem sapiência jurídica – , já torna inelegível um pretenso candidato acaso este não consiga uma reversão do julgado no respectivo Tribunal de Justiça (nesta situação, funcionando a corte como órgão colegiado de segunda instância) para afastar sua qualidade – ou melhor, desqualificação – de inelegível. Afere-se do Artigo 1º, Inciso I, Alínea n) da LCF Nº 05/1970 que bastava o Ministério Público denunciar, independentemente de haver uma análise da Magistratura sobre seu recebimento, para que o candidato – então simplesmente denunciado – fosse considerado inelegível para qualquer cargo.
          Estimulando os presentes no curso a se tornarem “livres pensadores”, o jurista lançou frases interessantes à observação repetida, como “quanto mais aparência popular se dá, menos essência jurídica se tem” quando se referiu à origem da Lei da Ficha Limpa como sendo popular – como se a suposta voz desse suspeito povo fosse a voz do verdadeiro e único Deus – e “não é o tamanho da pena que regenera o condenado e sim, a certeza da punição”, se referindo às suas experiências laborativas como Promotor de Justiça. Por esse polêmico – e agradável – estilo de interlocução, esse doutor de leis propôs reflexão sobre contemporâneas antinomias jurídicas, como em plena época de avanço mundial da democracia deparar-se com o Direito Penal do Inimigo (de título original ‘Feindstrafrect’), teoria criada pelo aclamado doutrinador alemão Günther Jakobes (co-autor do cognitivo livro ‘Derecho penal del enemigo’) há vinte e seis anos (divulgada primeiramente na Revista de Ciência Penal - ZStW, n. 97, 1985, p. 753 e ss.), comparação baseada em três hipóteses, quais sejam, antecipação da punição do inimigo, desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de certas garantias processuais e, criação de leis severas direcionadas à clientela. O alerta é para a livre vivência do “Direito Eleitoral do Inimigo”, com leis casuísticas – para pessoas e não para fatos – , recomendando que não se deve ter paixão na judicionalização, tendo como necessário a supremacia da segurança jurídica, inclusive sobre a moralidade, porquanto esta ser muito subjetiva, o que é peculiarmente muito perigosa.
          Oportuno salientar, que o matogrossense Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes – integrante do vitorioso grupo de julgadores que sucumbiu os detratores de sua tese – assim definiu a Lei da Ficha Limpa no julgamento do Recurso Extraordinário interposto pelo político paraense Jader Fontenele Barbalho, criticando que a acrescentada emenda de renúncia foi feita para resolver a disputa executiva do Distrito Federal (GDF), isto é, os Deputados Federais incrementaram o caso para impedir que Joaquim Domingos Roriz concorresse potencialmente a outro mandato à frente do governo local e além de qualificá-la como casuísta, o alto julgador pronunciou que tal lei poderia ter efeitos reprováveis e hediondos, propondo lembrança do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral que manteve a eleição de Valdemar Costa Neto, que assim como Jader e Joaquim também renunciou ao mandato para não ter seu mandato eletivo declarado perdido por seus próprios pares, como um exemplo de casuísmo jurisprudencial. Em não sendo pouco, seu colega Ministro Marco Aurélio comentou enfaticamente que “ninguém em sã consciência, pode acreditar que a lei não retroage” e toda essa desnecessária discussão pode ainda ter seu fim adiado, pelo evento da aposentadoria compulsória cabida à agora ex-Ministra Ellen Gracie Northfleet, cuja única definição auferida até o momento é de que tal posto será galgado por outra jurista.           
          Retornando o raciocínio a Cuiabá com a menção de Brasília em ‘stand by’, narro que o palestrante revelou as quatro inconstitucionalidades na Lei da Ficha Limpa, em sendo por violação flagrante dos princípios constitucionais previstos no seu Artigo 5º, do Direito Adquirido (Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada, Inciso XXXVI), da Irretroatividade da Lei (por costumeira analogia, Inciso XL) e da Presunção da Inocência (novamente a analogia, Inciso LVII), por faltante, no Artigo 16 da mesma Constituição Federal o da Anualidade da Norma. Este singelo “blogueiro” é um advogado legalista, ou seja, penso que se há uma norma contida no instrumento jurídico lei ela deve ser meticulosamente cumprida – tipicidade cerrada ou estrita legalidade – por todos – sem exceção – a quem é suscetível de aplicabilidade, independentemente de quem seja, porquanto tem força impositiva e não caráter meramente orientador de jurisprudência, que em muitos casos são vaidosas invenções destoantes da mensagem imposta pela lei. Torçamos para que “o exemplo venha de cima”.
          Para encerrar, lanço aqui meu projeto derivado de uma sugestão que fiz durante o curso de reduzir o atual mínimo da multa por propaganda eleitoral irregular a ser aplicada aos candidatos já nas próximas eleições municipais, considerando que o TSE aplicou este piso em repetidos casos à candidatura presidencial, que tem envergadura nacional, não sendo justo R$ 5.000,00 (Cinco mil reais), considerando que não há valor menor, serem punição numa localidade de minimizado efeito como são os municípios em comparação a este país-continente, aproveitando os Princípios Jurídicos genéricos da Razoabilidade e da Proporcionalidade, que a própria corte especializada gosta de utilizar em seus julgados e o momento é de elaboração das resoluções para resumir toda a legislação que regulamenta, por matérias, todo o processo eleitoral. Adianto ainda para me precaver aos “do contra”, que não se trata de alterar regras das eleições justamente porque diminuir o parâmetro inicial da sanção pecuniária não significa – nem mesmo sob longínqua hipótese meramente imaginária – acabar com a multa e assim suprimir uma regra, o que mudaria (supostamente, não muda na realidade) um pouco das regras.